Confusão no Vale de Sinar

Confusão no Vale de Sinar

Por José Rodrigues
Leituras: Gn 9:1-19 11:1-9


Confusão é um tema apropriado para tratar do texto em consideração, mas é também um tema atual. As sociedades vivem em permanente confusão mas as causas não são sempre as mesmas. No entanto, confusão, trapalhada, são uma realidade universalmente testemunhada. Recordar-vos que na última vez que abordamos o estudo de Gn 6-9, ficou em aberto tratar da quarta grande história registada no livro de Génesis. Esta não é nem a primeira nem a última grande confusão.

O mundo já estava um caos e com o propósito de evitar ainda maiores confusões, temos a narração desta dramática história. Sendo esta a quarta grande história do livro de Génesis, podemos verificar que apenas a primeira correu bem: a história da criação. Segue-se a história da queda em pecado, a história de violência e imoralidade que deu origem ao dilúvio e agora a história da Torre de Babel.

Babel significa confusão; Babilónia [trapalhada]; país de dois rios. A história da Torre de Babel explana a origem das línguas e a respetiva confusão que causou e continua a causar.

Imaginem se os alunos tivessem apenas uma língua para estudar; seria menos uma disciplina. No caso por exemplo, de uma visita a Israel e em que e necessitássemos de informação relativa ao destino de um autocarro, e o motorista só falasse árabe, como reagiríamos?

Imaginem os estudantes da teologia, se toda a Bíblia estivesse escrita numa só língua e essa fosse a nossa língua materna. Estima-se que sejam cerca de 6.000 as línguas e dialetos falados no mundo; é muita confusão. A confusão é ainda maior se considerarmos que muitas pessoas não dominam bem uma única língua.

Analisemos então o assunto: A razão histórica para o livro de Génesis e sua relevância para os hebreus, foi dar a conhecer, que Deus criou todas as coisas com um propósito, que Ele mesmo deu a conhecer para que o povo tivesse sólidas bases para a fé na Pessoa e na Palavra de Deus, O Senhor Criador e sustentador de todas as coisas.

Na viagem que fiz a Israel em 2013, o primeiro ponto alto foi a visita a uma escola Bíblica em Natânia, experiência única em solo israelita. Entre os estudantes, 20% são árabes que estudam a Bíblia com judeus. Um dos professores e diretor da escola lecionou, uma aula de apresentação das bases teológicas para abordar o ensino bíblico aos judeus que se consideram povo de Deus e não aceitam ser Jesus o Messias prometido por Deus e por inerência, também não aceitam o NT como sendo Palavra e obra de Deus. Neste contexto, é necessário expor e pregar a Cristo a partir dos textos do VT.

O referido professor, fez uma apresentação dos primeiros 3 Cap de Génesis que foi nova, para todos os visitantes, estudantes e professores inclusive. Apresentou a defesa da ideia que os primeiros três capítulos do livro Génesis são o início da história do mundo e da humanidade, a partir da qual se prova que o homem e a mulher, apesar de terem sido colocados no Éden, em circunstâncias especiais, sem a presença do pecado, não permaneceram fieis e obedientes às instruções divinas.

A segunda grande história de Génesis prova que Adão e Eva pecaram apesar de viverem na ausência de pecado e em circunstâncias de não serem ainda pecadores. Assim, e para o professor da referida escola, os primeiros três capítulos de Génesis, asseguram à nação de Israel, que o homem sem pecado caiu no pecado, para ser salvo pela semente da mulher. Pelo que também Israel como nação teria a sua queda, apesar de Deus cumprir a promessa de dar a terra por herança ao povo hebreu, eles iriam cair no pecado de idolatria, e seriam novamente expulsos da terra. Isso aconteceu em três diásporas.

A primeira diáspora foi a deportação do reino do Norte para a Assíria, depois o reino do Sul para a Babilónia e novamente toda a nação banida do mapa desde os anos 70 do primeiro século, até 1947, quase 1900 anos. Imaginem o que significa o regresso em massa de muitas famílias judaicas desde 1947 até hoje.

Estamos perante a preservação da raça, identidade e língua da nação mais perseguida e odiada de todos os seus vizinhos e não só. Uma nação a quem Deus fez promessas e não a extinguiu, pelo contrário, lhe deu um lugar de fundamento para a salvação da humanidade. A salvação vem dos judeus, Jesus nasceu judeu. Foram os judeus que receberam a revelação do VT e também do NT tendo sido eles os escolhidos como fundamento da igreja universalmente constituída por judeus e gentios.

Olhando o nosso texto, a confusão da Torre de Babel, não é a primeira confusão e está longe de ser a última. A confusão das línguas ficou como marca patente entre todos os humanos, a sua realidade acrescenta contínuas confusões.

O texto tem duas partes:

Primeira, (vs 1-4) os planos e obras dos homens em rebelião contra os planos de Deus;

Segunda parte (vs 5-9), a reação e resposta de Deus aos planos dos homens ímpios e rebeldes.

No primeiro momento, podemos confirmar pelo texto que os homens tinham uma única língua. Este era ainda um sinal do Éden, todos falavam o mesmo idioma. Os planos e implantação da construção da Torre de Babel, veio baralhar e confundir a humanidade. A disciplina da aprendizagem de línguas estrangeiras, teve início em Sinar; Torre de Babel.

Devemos começar por notar que a episódica história da Torre de Babel, é uma história real que teve lugar no tempo e espaço. Entre outras lições, aprendemos que a confusão das línguas na Torre de Babel ilustra a resistência humana aos planos divinos, pelo que podemos inferir que a história da Torre de Babel é rebelião contra a “soberania” de Deus e igualmente a constatação que o homem perde sempre que os seus planos se opõem aos planos de Deus.

No meu entender, o texto apresenta duas lições:

Primeira, o homem não resiste aos planos de Deus por desconhecimento, fá-lo antes em desobediente determinação, ou seja, em rebelião recusa reconhecer e submeter-se à “soberania” divina;

Segunda, também ela bem “ilustrada” no episódio da Torre de Babel, atesta o facto de o Homem perder, sempre que age e reage em desobediência contra os planos de Deus. Em Gn. 1:28, Deus apresenta ao homem e à mulher o plano que tem para eles, plano esse, entregue em forma de mandamento: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra”. O texto usa cinco verbos consecutivos, no imperativo para definir os pormenores da tarefa.

Em Génesis capítulo três, há o registo da queda da humanidade em pecado como consequência de não ter exercido o “domínio” sobre um animal específico, a serpente. Desde então, a propensão para a humanidade resistir à vontade de Deus, nunca mais parou.

A história da Torre de Babel é um exemplo vivo de como os humanos em pecado, se organizam para resistir à “soberana” vontade de Deus. Devemos notar que o plano de Deus para frutificarem e encherem a terra, era conhecido por todos os humanos que viveram até à Torre de Babel.

É interessante notar o que aconteceu e porque aconteceu a confusão das línguas na torre de Babel. A narração do episódio inicia-se com uma afirmação espantosa: “Ora toda a terra tinha uma só linguagem e um só modo de falar” (TB). A mesma afirmação é repetida no v.6. Isto significa que toda a humanidade falava o mesmo idioma e tinham todos a capacidade de entender numa só língua, tudo o que Deus revelava. Logo, a desobediência foi uma determinação; uma atitude de rebeldia intencional e concertada.

Os homens juntaram-se todos no mesmo lugar (11:1:4), recusando ser parte do plano de Deus para encher toda a terra. A minha mãe ensinou-me: “Quem não quer como Deus quer, há-de ser como Deus quiser”. Assim, podem-se considerar duas coisas que “ilustram” o texto em análise:

Primeiro, o episódio mostra a dimensão da rebelião humana contra a soberania de Deus 11:1-4. Verifiquemos quatro aspetos dessa rebelião:

(1) Toda a terra falava a mesma língua e por conseguinte, todos tinham a capacidade de entender o plano de Deus, ou seja, o problema não está no entendimento, mas sim na vontade determinada em desobedecer (11:1);

(2) Os homens tinham a capacidade para se organizarem, planearem e edificarem grandes construções. Também não havia falta de capacidade organizativa (11:3);

(3) Os arquitetos e construtores da Torre de Babel se organizaram determinados a se tornarem famosos – “tornemos célebre {hse [‘asah]} nosso nome {Mv [shem]}”;

(4) A resistência a Deus não foi por ignorar a vontade divina, mas antes, porque não queriam ser espalhados por toda a terra. Entenderam o plano de Deus, mas recusaram-se a ser parte dele, v.4. Para os subscritores da construção da Torre de Babel, o domínio era para ser exercido nos seus termos humanos e não nos termos de Deus. Determinaram tornarem, celebre o seu nome, em vez de darem glória a Deus.

Em segundo lugar, o episódio demonstra que Deus não abdica da sua “soberania” 11:5-9. “Então, desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam” v.5. Podemos observar cinco coisas: (1) Deus examina os atos dos homens, v.5a;

(2) Deus não se agradou com os planificadores e construtores da Torre de Babel. Os planos dos homens foram elaborados em rebelião com a “soberania” de Deus. Deus ficou desagradado com o que viu, v.5b,6b;

(3) Deus revela estar em controlo de todos os atos dos humanos. Em linha com Gn.1:26

(façamos), torna a haver um diálogo na divindade, v.7 (desçamos e confundamos). Deus entreviu e confundiu os códigos da comunicação que tinha dado há humanidade. Babel é o texto bíblico para “ilustrar” a existência das muitas línguas no mundo;

(4) Deus surpreende nos meios que usa. Ele não usou meios de força para destruir a construção,

Deus “simplesmente” interferiu nos canais de comunicação v.7;

(5) Assim, o SENHOR os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Numa ação, Deus atingiu dois objetivos: Primeiro, a construção da glória humana daqueles dias, foi interrompida; Segunda e não menos importante, cada um seguiu caminhos diferentes, porque o Senhor os espalhou “sobre a face de toda a terra”. O provérbio popular: “Onde tens de ir, não podes fugir”.

Conclusão, a confusão originada na construção da Torre de Babel, permanece. Os homens em geral fazem planos, sem consultar os planos de Deus. Este não é um problema exclusivo dos descrentes, também há crentes e não poucos que assim procedem. Vem do Éden, a descredibilização da expressa vontade de Deus e a ilusão e confusão de que o homem pode escolher por si mesmo construir o seu futuro e chegar a tocar o céu com suas construções. Os homens se juntaram em Sinar e disseram: “Edifiquemos uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra” v 4.

Em resposta aos planos de edificação de uma torre que tocasse o céu, Deus trino também se reuniu e disse: “desçamos e confundamos ali a sua língua…”. Devemos notar que Deus não abdica da sua soberania, e o homem não tem como impedi-Lo; não tem como medir forças. “Se não quiser como Deus quer, há-de ser como Deus quiser”. Se a sua palavra é contrária à palavra de Deus, saiba que vai perder. Renuncie os seus planos de edificar contra as instruções de Deus, de ir e estar onde Deus disse para não ir nem se estabelecer.

Em suma, lembre que Deus entreviu e intervém para confundir os planos dos homens, mas também para os surpreender. Actos 2:5-8, está para “ilustrar” o facto, Deus avançou com outra proposta, ou seja pôs os seus mensageiros a falar as línguas de todas as nações. Deus, na sua soberana vontade e propósito, entreviu, e encheu os seus discípulos do Espírito Santo, e pô-los a falar nas línguas de todas as nações debaixo do céu. Em Gn 11, Deus deu as línguas para confusão dos homens. Em At 2, deu entendimento (dons) à igreja reunida, para na comunicação da mensagem de Deus, para todos os povos. No mesmo dia e a partir de um só lugar; Jerusalém, pessoas de todas as nações (At 2:5), ouviram a mesma mensagem; a universal mensagem de salvação para todas as nações. Esta universalidade havia sido prometida por Deus a Abraão (Gn 12:1-3. Em Babel, Deus os confundiu e espalhou. No entanto, chamou Abraão para ser uma bênção para todas as nações nos termos de Deus, Gn 12:3. Também aprendemos, que tudo o que o Homem constrói, pode sempre ser interrompido pelo eterno Soberano. Os homens que procuram nome para si, Deus, pode sempre depô-los, Ele somente é soberano para concretizar tudo o que lhe apraz. Resistir-lhe é seguir o caminho do fracasso total. Ouça o que Jesus nos diz: “Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha (Luc 11:23 ARC).

APOLOGÉTICA

APOLOGÉTICA

Por José Rodrigues


Tiago critica a “salvação pela graça” que as cartas paulinas tanto enfatizam?

O debate sobre a posição doutrinária entre Paulo e Tiago, relativa à doutrina da salvação, tem sido motivo de acesos debates para uns e uma falsa questão para outros. A verdade é que o debate não morreu e tem fortes adeptos de ambos os lados. De qualquer forma, o assunto é tão importante que não será correto tratá-lo como uma falsa questão. Diria mesmo, que é infundado assumir que se conhecem os meios usados por Deus para a salvação de pecadores. Isto porque “Deus fala muitas vezes e de muitas maneiras” (Heb 1:1). Então o assunto é uma falsa questão, ou assunto menor importância? Ou não é verdade que as Sagradas Escrituras dão bastante espaço ao tratamento diversificado deste assunto?

Entrando na questão colocada, terá Tiago uma posição crítica sobre a salvação pela graça sem as obras? Tomando por exemplo a carta aos Romanos, Paulo lança o tema com a citação de Hab 2:4: “o justo viverá da fé…” (1:17) e desenvolve-o – “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus” (Rom 3:24 ACF); TENDO sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; (Rom 5:1 ACF), Cf. (3:21-24,28; 5:1; 8:30-34; 9:30-32; 11:23-26). A fé é mencionada 40X em Romanos; 1Cor. 7X; 2Cor 8X; Gal. 22X; Ef. 8X; 1Tes 8X; 1Tim 19X; 2Tim 8X; Heb 31X. A repetição da palavra dá a entender a sua importância na soteriologia paulina. O mesmo apóstolo retoma o tema na sua epístola aos Gálatas (3:1-23), e também na carta aos Efésios (2:8,9) recebendo dele um tratamento particular. Menciona a palavra fé 16X, das quais 13 no Cap 2. Quando se pergunta se Tiago critica a posição paulina sobre a salvação pela fé sem as obras da “lei”, a resposta não é consensual. Não sendo este o espaço de debate, decidi tratar o tema, limitando-me aos textos de Rom 4, Ef 2:1-10, e Tiago 2:14-26.

Será correto dizer que Tiago critica a soteriologia defendida por Paulo na relação de fé e obras? Noutras palavras, Tiago defende ou não que as obras contam para a salvação? Neste caso concreto, vários teólogos se têm dividido sobre este assunto. Por exemplo, Lutero, como é sabido era um dedicado monge, tendo-se convertido pela leitura da carta aos Romanos. O próprio, atribuiu o seu despertar espiritual às palavras: “o justo viverá da fé…” (Rom 1:17). Lutero não encontrou harmonia e consistência teológica entre a doutrina de Paulo e Tiago em matéria de salvação e obras, chegando mesmo a considerar a carta de Tiago, “carta de palha”. Por outro lado, outros estudiosos também entendem que os ensinos de Paulo sobre a salvação pela graça é irreconciliável com a posição de Tiago. Posição diferente, por exemplo, tem Thielman, na introdução à carta de Tiago: … Tiago e Paulo, não estão de forma alguma preocupados um com o outro, mas os dois trabalham independentemente da tradição judaica sobre Abraão… poderia dizer que Abraão foi justificado por sua fé (Gn 15:6) como que Deus prometeu a ele muitos descendentes e a terra por causa de sua obras (Gn 22:16,17; 26:4,5)… Portanto, provavelmente não é correta, a venerável tradição académica que defende implícita ou explicitamente haver discórdia ou contradição entre Paulo e Tiago, quanto à essência do evangelho] (2007:606-607).

Uma outra particularidade escriturística é que Paulo e Lucas apresentam um verdadeiro entendimento sobre a doutrina da salvação (Gal. 3:2,9; At. 15:12-19). Algumas mentes inquiridoras têm observado que por vezes os teólogos são especialistas a complicar o que é simples, mais do que a explicar coisas complexas. Pode bem ser o caso!

Pessoalmente entendo, que não há nenhum conflito entre a posição de Paulo e Tiago sobre a doutrina da salvação pela graça e sem o contributo de obras. Há, isso sim, uma abordagem diferente, que resulta de objetivos e propósitos diferentes.

Paulo diz que a salvação é pela fé sem as obras da “lei”: Rom 3:30, 31; Gal 3:14; Ef 3:17; Col 2:12), ou seja, ninguém pode dar algum contributo para a salvação, enquanto Tiago, aborda o assunto, não da perspetiva das obras para salvação, mas das obras como evidência de salvação, por outras palavras, Tiago escreveu para pessoas que se diziam salvas, mas cujas atitudes negavam ou não demonstravam estarem salvas, o que neste caso concreto, Tiago quer dizer é que: “a fé sem obras é morta” (2:17,26).

Entendo que as dificuldades colocadas podem surgir da maneira incorreta de pegar no tema. Paulo aborda o assunto da fé, do ponto de vista da salvação e é claro que ninguém é salvo por mérito ou obras (Ef 2:8,9).

Sendo a salvação um milagre de ressurreição, não é necessário ser médico para saber que os mortos não podem agir nem reagir, logo não podem escolher deixar a morte e reviver. Tiago, porém, não pegou no tema da fé para salvação, mas sim, como um “fruto” necessário na vida dos salvos, ou seja, o pecador é salvo pela graça, não por obras, mas para fazer (praticar) boas obras, (Ef.2:10).

O texto de Ef. 2:8-10, é apropriado para fazer um teste que já repeti, com várias pessoas, e com resultados semelhantes. O teste é Efésios 2:8-10. Um significativo número de evangélicos, conhecem e facilmente citam, de memória, Ef. 2:8,9, mas não conseguem citar o v10. E eu pergunto-me: Porquê? Vejamos: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. 9 Não vem das obras, para que ninguém se glorie; 10

Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”, (Ef 2:8-10 ACF). Então, o que Tiago fala sobre as obras dos salvos, Paulo também o faz. Este é um claro exemplo de como os bem-intencionados, podem usar textos fora do seu contexto e texto fora do contexto é má ou muito má teologia. De facto, Ef 2:8-10 pode ser mal enfatizado pelos que acreditam na salvação pelas obras, v. 10, mas também é mal usado, quando se deixa de considerar o v. 10, e se enfatiza somente vs. 8,9.

Concordo com John Blanchard: O grande tema de Paulo é, que ninguém pode ser salvo pelas obras (observar a lei), enquanto que Tiago considera que ninguém tem como provar a sua fé, fora da evidência de obras (frutos; atos de amor ao próximo; temor a Deus) 1982:149.

Para finalizar, as obras não são necessariamente sinal de fé, mas a fé tem de ter obras para ser genuína. Tiago vai colocar isso em maior evidência no capítulo 2:20-26. Ele usa a figura de Abraão: (1) para ilustrar o seu ponto; ou seja a fé de Abraão é evidenciada nas suas obras; a fé resultou em obediência; fé e atos estão juntas. “Ora, não foi Abraão, nosso

pai na fé, justificado por obras, quando ofereceu seu próprio filho Isaque sobre o altar? (Tia 2:21 AKJ); (2) para concluir seu ponto. Na realidade ele vai usar duas figuras, Abraão e

Raabe. Não menos interessante, é que Tiago usa a palavra – ἐδικαιώθη (3rd person singular); 1. Justificar significa tratar como justo; 2. Ser prenunciado e tratado como santo (antificado). Na linguagem teológica, justificado é igual receber o dom divino “δικαιοσύνη”. Podemos conferir que a Palavra “justificar, aparece nos vs. 21,24,25, sempre relacionada com “obras”.

Ainda uma última particularidade. Abraão era uma figura consensual entre os judeus, mas Raabe, é não o era. Creio que Tiago procurou chamar a atenção dos seus leitores/ouvintes para o facto que as Escrituras (VT) conterem mais informação do que aquela que eles conseguiam observar.

Thielman coloca e bem, a comparação entre Tiago 2:21-24, e Romanos 4:1-5, (2007:606), para defender que não há diferenças substanciais. Também argumenta sobre o entendimento concertado entre Paulo e Tiago, em matérias respeitantes a judeus e gentios (Gal 2:2,9; At.15:12-19;21:18-20). Paulo enfatiza a fé como meio para a salvação, enquanto Tiago fala da fé dos salvos. A diferença não está no conteúdo, mas sim na abordagem.

Em síntese, podemos considerar que a salvação pela fé e as obras que Deus preparou para os salvos, não são questões menores, em última instância, teremos de concluir que o mais importante não é definir as posições de Paulo e Tiago sobre a matéria referida, mas sim que a profissão de fé de cada crente em Jesus Cristo deve ser acompanhada de genuína obra que testemunhe vida transformada. Noutras palavras, que haja uma relação entre o que se diz e o que se faz.

THIELMAN, Frank, Teologia do Novo Testamento, Shedd Publicações Ltda-Me, 2007:

BLANCHARD, John, Truth for Life, H.E. Walter Ltd, England 1982: