APOLOGÉTICA

APOLOGÉTICA

Por José Rodrigues


Tiago critica a “salvação pela graça” que as cartas paulinas tanto enfatizam?

O debate sobre a posição doutrinária entre Paulo e Tiago, relativa à doutrina da salvação, tem sido motivo de acesos debates para uns e uma falsa questão para outros. A verdade é que o debate não morreu e tem fortes adeptos de ambos os lados. De qualquer forma, o assunto é tão importante que não será correto tratá-lo como uma falsa questão. Diria mesmo, que é infundado assumir que se conhecem os meios usados por Deus para a salvação de pecadores. Isto porque “Deus fala muitas vezes e de muitas maneiras” (Heb 1:1). Então o assunto é uma falsa questão, ou assunto menor importância? Ou não é verdade que as Sagradas Escrituras dão bastante espaço ao tratamento diversificado deste assunto?

Entrando na questão colocada, terá Tiago uma posição crítica sobre a salvação pela graça sem as obras? Tomando por exemplo a carta aos Romanos, Paulo lança o tema com a citação de Hab 2:4: “o justo viverá da fé…” (1:17) e desenvolve-o – “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus” (Rom 3:24 ACF); TENDO sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; (Rom 5:1 ACF), Cf. (3:21-24,28; 5:1; 8:30-34; 9:30-32; 11:23-26). A fé é mencionada 40X em Romanos; 1Cor. 7X; 2Cor 8X; Gal. 22X; Ef. 8X; 1Tes 8X; 1Tim 19X; 2Tim 8X; Heb 31X. A repetição da palavra dá a entender a sua importância na soteriologia paulina. O mesmo apóstolo retoma o tema na sua epístola aos Gálatas (3:1-23), e também na carta aos Efésios (2:8,9) recebendo dele um tratamento particular. Menciona a palavra fé 16X, das quais 13 no Cap 2. Quando se pergunta se Tiago critica a posição paulina sobre a salvação pela fé sem as obras da “lei”, a resposta não é consensual. Não sendo este o espaço de debate, decidi tratar o tema, limitando-me aos textos de Rom 4, Ef 2:1-10, e Tiago 2:14-26.

Será correto dizer que Tiago critica a soteriologia defendida por Paulo na relação de fé e obras? Noutras palavras, Tiago defende ou não que as obras contam para a salvação? Neste caso concreto, vários teólogos se têm dividido sobre este assunto. Por exemplo, Lutero, como é sabido era um dedicado monge, tendo-se convertido pela leitura da carta aos Romanos. O próprio, atribuiu o seu despertar espiritual às palavras: “o justo viverá da fé…” (Rom 1:17). Lutero não encontrou harmonia e consistência teológica entre a doutrina de Paulo e Tiago em matéria de salvação e obras, chegando mesmo a considerar a carta de Tiago, “carta de palha”. Por outro lado, outros estudiosos também entendem que os ensinos de Paulo sobre a salvação pela graça é irreconciliável com a posição de Tiago. Posição diferente, por exemplo, tem Thielman, na introdução à carta de Tiago: … Tiago e Paulo, não estão de forma alguma preocupados um com o outro, mas os dois trabalham independentemente da tradição judaica sobre Abraão… poderia dizer que Abraão foi justificado por sua fé (Gn 15:6) como que Deus prometeu a ele muitos descendentes e a terra por causa de sua obras (Gn 22:16,17; 26:4,5)… Portanto, provavelmente não é correta, a venerável tradição académica que defende implícita ou explicitamente haver discórdia ou contradição entre Paulo e Tiago, quanto à essência do evangelho] (2007:606-607).

Uma outra particularidade escriturística é que Paulo e Lucas apresentam um verdadeiro entendimento sobre a doutrina da salvação (Gal. 3:2,9; At. 15:12-19). Algumas mentes inquiridoras têm observado que por vezes os teólogos são especialistas a complicar o que é simples, mais do que a explicar coisas complexas. Pode bem ser o caso!

Pessoalmente entendo, que não há nenhum conflito entre a posição de Paulo e Tiago sobre a doutrina da salvação pela graça e sem o contributo de obras. Há, isso sim, uma abordagem diferente, que resulta de objetivos e propósitos diferentes.

Paulo diz que a salvação é pela fé sem as obras da “lei”: Rom 3:30, 31; Gal 3:14; Ef 3:17; Col 2:12), ou seja, ninguém pode dar algum contributo para a salvação, enquanto Tiago, aborda o assunto, não da perspetiva das obras para salvação, mas das obras como evidência de salvação, por outras palavras, Tiago escreveu para pessoas que se diziam salvas, mas cujas atitudes negavam ou não demonstravam estarem salvas, o que neste caso concreto, Tiago quer dizer é que: “a fé sem obras é morta” (2:17,26).

Entendo que as dificuldades colocadas podem surgir da maneira incorreta de pegar no tema. Paulo aborda o assunto da fé, do ponto de vista da salvação e é claro que ninguém é salvo por mérito ou obras (Ef 2:8,9).

Sendo a salvação um milagre de ressurreição, não é necessário ser médico para saber que os mortos não podem agir nem reagir, logo não podem escolher deixar a morte e reviver. Tiago, porém, não pegou no tema da fé para salvação, mas sim, como um “fruto” necessário na vida dos salvos, ou seja, o pecador é salvo pela graça, não por obras, mas para fazer (praticar) boas obras, (Ef.2:10).

O texto de Ef. 2:8-10, é apropriado para fazer um teste que já repeti, com várias pessoas, e com resultados semelhantes. O teste é Efésios 2:8-10. Um significativo número de evangélicos, conhecem e facilmente citam, de memória, Ef. 2:8,9, mas não conseguem citar o v10. E eu pergunto-me: Porquê? Vejamos: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. 9 Não vem das obras, para que ninguém se glorie; 10

Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”, (Ef 2:8-10 ACF). Então, o que Tiago fala sobre as obras dos salvos, Paulo também o faz. Este é um claro exemplo de como os bem-intencionados, podem usar textos fora do seu contexto e texto fora do contexto é má ou muito má teologia. De facto, Ef 2:8-10 pode ser mal enfatizado pelos que acreditam na salvação pelas obras, v. 10, mas também é mal usado, quando se deixa de considerar o v. 10, e se enfatiza somente vs. 8,9.

Concordo com John Blanchard: O grande tema de Paulo é, que ninguém pode ser salvo pelas obras (observar a lei), enquanto que Tiago considera que ninguém tem como provar a sua fé, fora da evidência de obras (frutos; atos de amor ao próximo; temor a Deus) 1982:149.

Para finalizar, as obras não são necessariamente sinal de fé, mas a fé tem de ter obras para ser genuína. Tiago vai colocar isso em maior evidência no capítulo 2:20-26. Ele usa a figura de Abraão: (1) para ilustrar o seu ponto; ou seja a fé de Abraão é evidenciada nas suas obras; a fé resultou em obediência; fé e atos estão juntas. “Ora, não foi Abraão, nosso

pai na fé, justificado por obras, quando ofereceu seu próprio filho Isaque sobre o altar? (Tia 2:21 AKJ); (2) para concluir seu ponto. Na realidade ele vai usar duas figuras, Abraão e

Raabe. Não menos interessante, é que Tiago usa a palavra – ἐδικαιώθη (3rd person singular); 1. Justificar significa tratar como justo; 2. Ser prenunciado e tratado como santo (antificado). Na linguagem teológica, justificado é igual receber o dom divino “δικαιοσύνη”. Podemos conferir que a Palavra “justificar, aparece nos vs. 21,24,25, sempre relacionada com “obras”.

Ainda uma última particularidade. Abraão era uma figura consensual entre os judeus, mas Raabe, é não o era. Creio que Tiago procurou chamar a atenção dos seus leitores/ouvintes para o facto que as Escrituras (VT) conterem mais informação do que aquela que eles conseguiam observar.

Thielman coloca e bem, a comparação entre Tiago 2:21-24, e Romanos 4:1-5, (2007:606), para defender que não há diferenças substanciais. Também argumenta sobre o entendimento concertado entre Paulo e Tiago, em matérias respeitantes a judeus e gentios (Gal 2:2,9; At.15:12-19;21:18-20). Paulo enfatiza a fé como meio para a salvação, enquanto Tiago fala da fé dos salvos. A diferença não está no conteúdo, mas sim na abordagem.

Em síntese, podemos considerar que a salvação pela fé e as obras que Deus preparou para os salvos, não são questões menores, em última instância, teremos de concluir que o mais importante não é definir as posições de Paulo e Tiago sobre a matéria referida, mas sim que a profissão de fé de cada crente em Jesus Cristo deve ser acompanhada de genuína obra que testemunhe vida transformada. Noutras palavras, que haja uma relação entre o que se diz e o que se faz.

THIELMAN, Frank, Teologia do Novo Testamento, Shedd Publicações Ltda-Me, 2007:

BLANCHARD, John, Truth for Life, H.E. Walter Ltd, England 1982: